quarta-feira, agosto 25, 2010

CAMPESTRE


Ela estava correndo atrás de uma borboleta e gargalhando na fazenda do tio. Tinha a liberdade e a alegria da infância tranbordando por seus poros. Só tinha um objetivo: brincar com sua nova amiga borboleta.
O primo, dois anos mais velho, apenas a observava de longe. Ele era muito calado e contido. Não conseguia se envolver tanto quanto sua prima nesse deslumbramento pelas belezas naturais.
De repente, ela parou bruscamente de correr e deu um grito da pavor. Havia uma serpente a sua frente, preparando-se para um bote.
Ele sabia que precisava fazer algo para ajudar a prima. Foi andando até ela calmamente, mas com a agilidade necessária. Chegou ao lado da prima e fez um sinal, pedindo silêncio. Ela obedeceu, tentando controlar o pânico. Ele se ajoelhou e foi devagar se aproximando da cobra. Quando seu rosto estava bem próximo da peçonhenta, sussurou:
- Calma! Ela é só uma garota e não vai te fazer mal...
Ele deu um beijo no rosto coberto de escamas frias, com toda ternura. Em agradecimento, a serpente se enrolou num dos pés dele, como que a abraçá-lo. Depois saiu em movimentos curvilíneos suaves.
A borboleta que a menina perseguia pousou no ombro dele delicadamente. Ele, a prima e a borboleta ficaram parados, completamente imóveis, olhando a cobra se afastar por alguns instantes.

segunda-feira, agosto 09, 2010

VIDA SECA


Olhou no espelho pela manhã e notou que tinha um fio de cabelo branco por ali. Um não: vários! Como não havia se dado conta ainda de tantas "novidades"!!! E as rugas no rosto? Na testa, nos olhos, nas bochechas... Estava aparentando ter quinze anos a mais do que realemente tinha.
E não havia nem sequer percebido que envelhecera tão rápido! Foi assim que percebeu que fazia tempos que não olhava para si com a atenção devida. Tinha deixado de namorar-se como fazia antes.
Um ano atrás, ele passava horas se arrumando para ir na padaria. Comprava sempre as roupas pensando em como estaria apresentável e andava sempre muito bem vestido. Hoje já não demorava mais a se aprontar: vestia a primeira roupa que estava pendurada no cabideiro. Não escolhia mais o perfume que iria usar de acordo com a ocasião: era sempre a mesma fragância quando não se esquecia de usá-la. O corte de cabelo já não era o mais moderno: era sempre o tradicional.
E como tinha adquirido manias! Estava tão mais metódico. Não fazia nada fora do que estava programado em sua agenda. Até os momentos de lazer eram rigorosamente cumpridos. Não ficava até tarde na rua mais, de forma alguma. não trocava mais de canal procurando algum programa na TV. Agora, assistia sempre os mesmos, nos mesmos horários. Parou de bater papo pelo telefone, algo que antes ele adorava.
Como estava diferente! e nem havia notado! Mas logo afastou-se desses pensamentos e foi dar prioridade para a vida prática, que é o que importa, oras!
Fechou o portão, atravessou a rua tranquilamente. Tão tranquilamente que nem viu o carro veloz em sua direção. Foi atropelado.