domingo, dezembro 30, 2012

OSCILAÇÕES

UmA gAnGoRrA.
Um SoBe E dEsCE.
Já Me DiVeRtIu,
hOjE mE dÁ mEdO

sábado, dezembro 29, 2012

SUSPEITAS

- Olhá ela lá saindo de casa!
- Estou vendo! que vestido mais curto, não é?
- E ela é casada! Como é que o marido deixa?
- Sei lá! Eu sempre acho que tem algo de errado com ela. parece santinha demais. E, você sabe, essas mulheres novas que tentam parecer santinhas demais são as piores...
- Quem sabe o que ela faz escondido dos olhos do mundo...
- Cuidado, lá vem ela... Disfarça!
- Bom dia, vizinhas!
- Bom dia!
- Bom dia!
- Agora que ela já foi, posso falar: quanta ousadia dela! Veio nos cumprimentar como se nada estivesse acontecendo...
- É mesmo uma despudorada...

BRINCA COMIGO

Vamos enganar o destino anunciado.
Vamos fazer uma estripulia.
Vamos fazer arte.

Pinta e borda comigo.
Pinta seu nariz
e vamos brincar
de ter uma vida feliz.

O GRANDE DIA

Leu no horóscopo que seria um grande dia. Se animou tanto com a notícia que passou seu perfume favorito. Foi trabalhar sorridente. Dava bom dia para todos que encontrava pelo caminho. Estava radiante, transbordando uma alegria intensa. Este ano havia sido muito difícil. Boas notícias seriam mais que bem-vindas!

De repente, a tensão começou a aparecer. Havia uma crescente ansiedade por não saber o que iria acontecer que tornaria aquele dia memorável. Mexia as pernas freneticamente em seu assento no trabalho. Olhava a todo momento pela janela do escritório e também acima de sua baia, de forma a tentar perceber qualquer movimentação anormal.

Recebeu um chamado de seu chefe para ir até sua sala. Quem sabe não lhe aguardava uma promoção, fruto do reconhecimento de sua dedicação? Caminhou com passos firmes, com antecipada felicidade pelo que iria ouvir. Não haveria engano: aquele era o momento da boa notícia.

Seu chefe lhe fez vários elogios, ressaltando que admirava sua dedicação e que por isso não podia confiar tanto em outra pessoa na empresa. Assim, anunciou a necessidade de se fazer uma hora extra de trabalho para organizar arquivos confidenciasi da empresa. O chefe sabia persuadir e não teve como dizer não a seu pedido, escondendo com todo cuidado a sua decepção por não ser o que esperava ouvir.

Trabalhou até mais tarde. Saiu do trabalho e conferiu várias vezes o celular. Talvez recebesse uma mensagem, uma ligação, um convite qualquer para sair. Talvez até uma proposta mais romântica. Nada.

Chegou em seu apartamento, tomou banho, fez um jantar simples e foi assistir TV, enquanto tomava vinho na solidão de sua sala. Olhava o relógio a cada minuto, pensando se ainda havia tempo para o destino fazer-lhe uma surpresa. Era tamanha a ansiedade que nem sono sentia. Não conseguiu adormecer antes de duas da manhã.

Aquele dia não foi um grande dia. Mas um dia grande.  Nunca o tempo pareceu passar tão devagar, a espera de algo que nunca chegou. Algo que nem sabia ao certo o que era...

COLOSSO

Ele era um homem muito admirado por sua força. E não apenas a força física, mas aquela força interior que somente ele possuía e o fazia suportar os maiores abalos sem ao menos mudar a sua expressão facial.

Era capaz de resistir à socos, chutes e os golpes mais mortais. Mas também suportava a morte de pessoas muito queridas, perdas de todos os tipos, desilusões amorosas, falta de respectiva no futuro, estresses extremos, traições e todo tipo de padecimento possível.

Vários tentaram seguir seus passos, mas sem sucesso pois desconheciam a fonte de tanta força.

Certa vez, quando tudo parecia tranquilo, ele resolveu caminhar pelo parque da cidade para aproveitar o belo dia de sol. A brisa estava tão agradável! As cores tão bonitas! Tudo parecia estar numa estranha harmonia, exageradamente serena.

Resolveu sentar-se num banco para descansar e respirou profundamente. Nesse momento uma joaninha pousou em seu forte braço esquerdo. Para o seu terror, viu que a brisa começava a arrancar de seu corpo um pó acinzentado. E assim dissolveu-se no ar como poeira levada pelo vento.

domingo, dezembro 16, 2012

DIANTE DO ALTAR

Eu criei um altar
pra sacrificar muito de mim.

Perante a ele me dobro,
recobro a razão de seguir,
sossego a minha própria paz.

Dou aos deuses o suor,
o tempo, parte do meu sossego.
Em troca, ganho a luz
o calor e o sabor.

E, a cada oferta, mais um passo.
Cresce em mim a certeza
que custei a aprender:

o sacrifício faz eu ser deus
das minhas próprias conquistas.

ÚLTIMAS PALAVRAS

Sentaram numa mesa para conversar. Continuariam ali um papo que começou antes, mas que foi interrompído:
- Você tem toda a razão... Mas quem precisa de razão? E o que a gente faz com essa emoção? Tudo o que a gente sente, o quanto isso tudo nos faz bem... Gosto de sentir minha respiração ofegante quando te vejo, me sentir quase sufocado pelo bem da tua presença... Gosto de sentir minha mão trêmula, sem saber por onde te agarrar para que você esteja sempre presente... Me diga que você não gosta?
- Eu gosto, mas me faz mal. Por isso, não quero mais. Não posso me ferir toda hora...
- Como você pode agir com tanta frieza?
- É apenas cuidado comigo o que estou fazendo.
- E de mim? Você não vai cuidar? Não gosta de mim?
- Gosto de você, sim. Mas eu me amo, antes de mais nada. Lembra que o plano era ficarmos bem? Estou cuidando de mim e de você. Você não iria me querer se eu me destruisse...
- Eu iria te querer de qualquer jeito...
- Pois é. Este é o problema! Não me queira de "qualquer jeito". Me queira do melhor jeito possível!
- Você sempre tem argumentos pra tudo, não é? Frases fortes sempre prontas para serem ditas... Tudo bem! Então vá! Eu vou tentar ficar bem...
- É melhor eu ir mesmo. Uma conversa nunca vai fazer sua emoção entender...
- Emoções não entendem... Você é que me ensinou isso...
- É verdade! Então essa conversa foi um erro...
- Não. Ela foi o necessário ponto final. Mas agora vá andando logo, já que você não vai ficar, que a cada segundo que você prolonga isso, me machuca um pouco mais...
- Tudo bem. Se cuida...
- Você também...

sábado, dezembro 01, 2012

FATAL

Já era noite quando ele acordou. Tinha em suas mãos o sangue da noite anterior. Lavou-se na pia, tingindo o branco da louça de uma cor rubra enegrecida. Não usou sabão, contudo. Queria tirar a cor, mas não o cheiro que, infelizmente, também se foi com a água.

Foi andar pelas ruas, à procura da próxima vítima. Tinha planos de deixar uma mensagem para a polícia. Seria um código, uma brincadeira. Das últimas seis vezes, tinha conseguido seu intento. Esta seria a última.

Numa esquina encontrou uma jovem que voltava bêbada para casa. Ela falava sozinha e chorava com um imenso pesar. Estava um verdadeiro traste humano.

Ele, muito mais forte que ela, agarrou-a pelas costas, tapando-lhe a boca. Arrastou-a para um lote vago escuro e cheio de mato. Lá jogou-a com violência no chão e sacou o punhal, pronto para lhe cortar a garganta.

Ela, por sua vez, olhou-o com uma certa satisfação e disse:

- Você é um anjo que me foi enviado! Ah, ouviram minhas preces! Acabe logo comigo! Dê-me esse presente! Termine com esse martírio meu que chamam de vida!

Ele ouvia cada palavra, emudecido. Olhou-a nos olhos e viu toda a verdade que se podia esperar encontrar no mundo. Largou o punhal e virou as costas. Foi andando lentamente para a casa. Nunca mais saiu de lá.

PENSAMENTO FIXO

Quantas vezes eu quis o beijo dela
desta sinistra e sisuda donzela
a ineludível, nossa unica certeza.
O quanto quis adormecer em seus braços
tornar o tom escuro dos seus abraços
o eclipse total de minha clareza.

Eu muito quis e não nego o desejo,
mas como lutei contra esse beijo.
Não queria eu ir ao seu encontro
mas que ela suspendesse meu tronco,
numa surpresa agridoce e definitiva,
e me tornasse à forma primitiva.
Ao pó regresso numa noite febril,
desfazendo essa dor que se abriu.

Porém apenas espero resignado
que o pensamento deixe este lado
e se vá, no beijo dela apagado.