terça-feira, maio 31, 2011

LENDO AS PESSOAS


Era tão gostoso e ao mesmo tempo tão angustiante aquela situação! Era um jogo no qual eu acabara de entrar e só agora havia me dado conta do que poderia significar aquele momento para mim. Estava lendo pessoas. Mas por mais que desse tudo errado, aquele momento era uma vitória.

Havia 8 anos que minha esposa falecera. Eu, que na época tinha 45 anos, perdi meu chão por completo. Afinal eu era realmente muito apaixonado por ela. Nós nos conhecemos na adolescência e fugimos de casa para viver juntos, com 15 anos. Nossos pais não aceitavam nosso namoro. Tivemos dois dos nossos quatro filhos antes de nos casarmos no cartório. Até que um câncer encerrou lindos 30 anos de convivência.

Pensei que eu nunca mais teria forças para viver, pensei que nunca mais seria feliz, que minha vida estava acabada. Quis me matar e realmente quase morri de tristeza. Fiquei acamado no hospital, doente, e não queria lutar para continuar vivo. Senti que minha hora havia chegado, estava me preparando pra me entregar quando minha filha mais nova entrou no quarto do hospital chorando e me dizendo:

- Pai, não vá embora! Não se entregue! Lute por mim e pelo seu neto! Não sei se vou aguentar sem você e sem a mamãe...

Foi aí que percebi que minha vida não tinha acabado. Eu ainda tinha razões para continuar por aqui. E resolvi viver.

Agora com meu neto fazendo oito anos e minha filha casada, decidi dar uma segunda chance para eu ser feliz. Por que não?

E olha só como são as coisas: conheci uma mulher pela internet! Marcamos de nos encontrar numa livraria. Combinamos o dia, o horário, tudo. Mas na empolgação esquecemos de uma coisa: como eu a reconheceria? E como ela me reconheceria? Não havíamos trocado fotos, não combinamos uma roupa...

Eu só disse a ela que seria uma boa oportunidade de lhe entregar um presente que havia comprado pra ela pelo seu aniversário que havia sido há uma semana. Então, ela poderia me identificar facilmente porque eu era o único na livraria com um presente nas mãos. Mas e como eu saberia quem era ela?

Era tão gostoso e ao mesmo tempo tão angustiante aquela situação! Tinha uma emoção única. Era um jogo no qual eu acabara de entrar e só agora havia me dado conta do que poderia significar aquele momento para mim. Estava lendo pessoas. Tentando decifrar pelos trejeitos das pessoas ao redor se eu conseguiria reconhecer a mulher que se mostrou pra mim apenas por palavras.

E se eu me decepcionasse ao conhecê-la pessoalmente? Era algo possível de acontecer. Mas por mais que desse tudo errado, aquele momento era uma vitória. Era o marco que me mostrava que a vida ganhou outro sentido pra mim. Eu procurava outras pessoas pela vida. Outras páginas para ler. Podia me deliciar da possibilidade de estar vivo. Lendo novas páginas que se escreviam em mim.

Olhando cada gesto ao redor, eu lia as pessoas, seus pensamentos, suas histórias. E lia uma parte de mim que eu achei que tinha morrido. Aquele encontro numa livraria era a prova de que eu havia virado a página.