terça-feira, dezembro 30, 2014

O CLICHÊ QUE NÃO É CONTADO

Era uma vez um rapaz e uma moça. Eles se conheceram numa noite, num bar, enquanto os respectivos amigos tinham ido ao banheiro. Ele elogiou o perfume dela e ela elogiou o corte de cabelo dele. Ela era segura de si e ele um cara divertido. Conversaram por muito tempo e perceberam que tinham muito em comum. A afinidade mútua foi instantânea.

Quando a turma voltou, eles já estavam em sintonia no papo e não se separaram mais. Passaram a noite toda conversando, rindo, cantando as músicas de forma desafinada, mas com muita empolgação e desfrutando da presença um do outro. Fizeram da noite um momento mágico.

No instante de se despedir, fizeram o óbvio: anotaram o número de telefone um do outro e prometeram ligar. E ligaram. E marcaram de se encontrar novamente. E se encontraram. E tiveram mais uma noite maravilhosa. E se encontraram novamente uma dúzia de dúzia de vezes. Tudo o que queriam era estar do lado um do outro.

Conheceram a casa um do outro, a família um do outro e todos os amigos um do outro. Quem via os dois, em qualquer lugar que estivessem, percebia a ternura mútua com que se olhavam. O carinho era evidente a quilômetros de distância. E, como era natural, prometeram nunca se separarem e um cuidar do outro.

E foi assim que eles se encontraram na vida e quiseram permanecer juntos. Ninguém podia separá-los. Eram uma coisa só. Viveram uma dessas histórias meio clichê que ninguém costuma a contar porque, apesar de haver um homem e uma mulher e o final terminar com "e viveram felizes para sempre", ele era gay e ela lésbica. E o mundo prefere histórias de amor a histórias de amizade...

domingo, dezembro 28, 2014

ESCUDO CASULO

Tô no casulo
esperando a ventania passar
pra poder sentir as carícias da brisa
em minhas jovens e frágeis asas de borboleta.

Esse sou eu, o bravo guerreiro do escudo
esperando o mal tempo passar.

sábado, novembro 01, 2014

SUAVEMENTE

O sorriso dela era tão inocente... Era uma mulher, mas com jeito de menina. Eu a observava todos os dias indo fazer caminhadas na avenida do meu bairro. Era tão graciosa! Estava sempre alegre e jovial. Ouvia música em seu fone de ouvido e parecia estar numa paz de espírito que poucas pessoas conhecem.

Um dia, tomei coragem e me aproximei. Queria puxar assunto, ter o pequeno prazer de conversar com tal criatura angelical. Para a minha surpresa, ela não pareceu sentir qualquer incomodo com a minha aproximação. Ficou tão a vontade e foi tão receptiva que eu senti que entre nós já havia uma intimidade ímpar.

Naquele dia, eu a acompanhei até o portão de sua casa, como se fossemos dois adolescentes experimentando as possibilidades da conquista romântica. Ela girou a chave na fechadura delicadamente e pegou em minha mão com doçura. Suavemente, me puxou para dentro e fechou novamente o portão de forma que parceria haver carinho naquele movimento. Passou seus braços devagar pelo meu pescoço e me envolveu num abraço tão macio e terno, que eu fiquei imóvel, entregue àquela mulher. Então, ela aproximou sua boca da minha orelha, mordendo suavemente e arrancando-a de seu lugar. Suavemente, seus dentes arrancaram a carne do meu ombro direito e eu senti meu próprio sangue escorrer suavemente pelo meu corpo. Em êxtase, eu me sentia acolhido por suas unhas quando elas tiravam a pele das minhas costas, num afago inebriante. Suas mãos macias quebraram delicadamente os dedos da minha mão, enquanto ela mordia minhas coxas como quem morde um fruto de forma provocante e inocente ao mesmo tempo.

E foi assim que eu fiquei ali inerte, sorvendo do afeto que transbordava de cada gesto daquela mulher menina, enquanto virava a sua refeição.

sexta-feira, outubro 31, 2014

A CHUVA VIRÁ

Eu aprendi que, quando a gente não consegue chorar porque as lágrimas secaram de tanto que se chorou, esse pranto fica guardado e, um dia, ele precisará sair.

É como um monte de entulho no coração, amontoado num canto escondido de quem tenta ver por fora, mas tão evidente para quem convive com aquilo. O choro tem gosto de pó de brita, seco e áspero como se fosse uma lixa contra o metal.

A chuva pode cair no chão ressecado e, vinda de uma tormenta, transformar aquilo num lamaçal. O barro sujo e podre, então, pode transbordar em lágrimas cristalinas, trazendo um alívio feito de água e sal.

domingo, setembro 28, 2014

A MENTE INSANA

Dói.
Mas prendo a fera na jaula feita de cápsulas para CID-F.
O mundo está a salvo.
O ácido só atinge minha própria alma.
Agora o lado de fora pode voltar a agredir o peito
sem que o vulcão devaste quem está ao redor.

domingo, agosto 17, 2014

O MENINO DO BALDE AZUL

Ele estava na praia, com o seu baldezinho azul, construindo seu castelo de areia. Ele o fez com o máximo de detalhes que lhe foi possível fazer. Passou uma boa parte daquela manhã ensolarada na praia para erguer sua edificação em miniatura que atraia olhares admirados.

Olhou sua obra como um pai olha contente para o filho que acabou de nascer. Parecia não haver nenhuma imperfeição em sua criação, ao menos aos seus olhos! Aquilo lhe enchia de uma ternura e de uma sensação de alcançar um triunfo que ele nunca tivera ainda em sua curta vida!

Contudo, aos pouco, seus olhos foram ganhando um brilho diferente. A ternura que antes havia foi pouco a pouco sumindo. Seu rosto se encheu de uma excitação assustadora e ele parecia ter fogo em seu sorriso. Era como se experimentasse de um êxtase que lhe furtasse a sanidade e lhe fizesse provar um gosto agridoce de loucura.

Num movimento rápido, pegou seu baldezinho azul e destruiu seu castelinho de areia com toda a força que lhe havia. Reduziu a pó sua construção lúdica, espalhando cada grão de areia para um lado. Olhando o que acabara de fazer começou a sorrir e a chorar ao mesmo tempo, numa expressão indecifrável e amedrontadora.

sábado, agosto 09, 2014

APÓS

Como as desculpas após machucar alguém,
como a polícia nos filmes de suspense,
como o coelho no país das maravilhas,
como a noiva no dia do casamento,
como as águas que só caíram em abril.

Isso que você fez, julgando atar a hemorragia
chegou tão tarde e já não adianta mais.

sábado, julho 19, 2014

PROFÉTICO

Naquele tempo, Ele desceu do alto de onde estava e disse à multidão:
"Olhai os desertos, sua vastidão e sua secura. Assim são as pessoas do nosso mundo." (Si 6:66)

CASTIGO E CRIME

Aquela moça sempre se permitia viver o que ela era de verdade. Não era uma fantasia para fazer o carnaval dos olhos dos outros: era sempre a verdade crua de uma segunda-feira de manhã, num ônibus lotado de quem vai ao trabalho.

E isso assustava demais a todos, que se afastavam, porque ninguém queria a aspereza da verdade. O veludo da hipocrisia sempre foi mais sedutor. Contudo, nascia um homem, que vinte anos depois, olharia nos olhos daquela jovem senhora de 37 e ficaria ali perdido.

Ele gostava de apanhar. E não há nada que machuque mais do que uma grande dose de verdade. E a moça, agora já não tão jovem quanto outrora, queria mesmo era espancar e triturar com sua sutileza. Este seria o encontro perfeito e duraria para sempre, se não fosse por um detalhe: eles não estavam numa ilha.

Todos ao redor se escandalizaram. Todos queriam por fim ao tormento de ter que tolerar a pavorosa situação. Colocaram fogo na casa onde eles se encontravam. A morte seria certa para os dois, se não fosse por outro detalhe: não se pode ter a presunção de ter tudo sob controle.

Ela havia deixado o jovem amarrado na cama, com venda nos olhos e foi ao carro buscar um de seus apetrechos: seu chicote de sinceridade. Na volta, as chamas não deixavam que ela conseguisse entrar novamente em casa.

Seria o crime perfeito, se não fosse um detalhe: a verdade, quando está furiosa, não deixa nada de pé. E assim foram aqueles dias...

LÁ DENTRO

Eu, perdido no espaço,
sem espaço em mim,
me sufoco sem dar espaço
ao que transborda por não ter fim.

domingo, junho 29, 2014

DO PARAÍSO AO CHÃO

Dizia o poeta assim:
"Todos juntos, somos fortes".
Nisso eu quis crer.

E, de repente, estamos todos nós
no vão do grande precipício,
sentindo nossos corpos caírem
e não há mais ninguém pra dar a mão.

Não sei se chamo isto
de companheirismo solitário
ou digo que é uma
compartilhada solidão.

segunda-feira, junho 16, 2014

SEM MENINO NO ESPELHO

E foi assim que percebi
que a dor diminuiu,
mas que, talvez, ela
nunca mais vá embora
totalmente.

Como se eu tentasse
fazer um espelho quebrado
ficar inteiro outra vez.

PÓS-MODERNIDADES

Poetas em 140 caracteres vivem a dor e o prazer na velocidade da luz num tempo no qual as trevas insistem em se impor.


E eu desaprendi a ler livros de papel.

quarta-feira, maio 07, 2014

(DE)CRESCENTE

Ah!
Atriz?
A triste!
A tristeza...
Atriz tesa vai.
A tristeza vaia.
Atriz tesa vaiava.
A tristeza vaiava: ô!
Atriz tesa vaiava o ex.
Atriz tesa vaiava o ex Pê.
A tristeza vaiava o espelho.
Atriz tesa vaiava o espelho: Fim!

segunda-feira, abril 21, 2014

PROCURANDO A CONEXÃO

_____________Por-que___________________
__________eu-insisto-em-ser______________
____alguém-que-me-trava-as-pernas_________
__quando-eu-preciso-seguir-em-frente?_______
_(_____________???...???________________)_

COMPORTAMENTO QUÂNTICO

Ela ouviu tudo aquilo sem acreditar. Não conseguia compreender a razão de tudo aquilo que acabara de ouvir. e precisava de uma explicação:

- Cara, de verdade, eu não te entendo! Ontem mesmo você disse que me amava e hoje tudo já se acabou? O que aconteceu com aquele encantamento, aquela admiração, aquele carinho todo que você tinha?

- Eles deixaram de existir. Foi um processo...

- Processo? Mas suas atitudes não mudaram. Você não me deu nenhuma pista disso tudo...

- Bem, pra mim estava claro todos os conflitos que a gente estava enfrentando...

- Ok, a gente enfrentava os conflitos sim. Mas você não me sinalizou que isso estava interferindo na possibilidade de continuidade do nosso relacionamento...

- Você está sugerindo que nosso relacionamento deveria ser permeado por ameaças?

- Não! Mas que você se fizesse claro! Até ontem eu tinha planos com você e não tinha receio de que eles não pudessem ser concretizados. E eu só pensava dessa forma porque suas atitudes comigo não mudaram. Como tudo isso mudou assim, de repente?

- E por que minhas atitudes deveriam mudar de forma lenta e gradual?

Ao ouvir isso, ela procurou uma resposta, mas não conseguiu encontrar nada que pudesse ser dito a respeito.

domingo, março 23, 2014

MULTIPLAS

Toda essa ansiedade dentro de mim explode como um vulcão. Assim, eu perdi:

a) o sono.
b) a cabeça.
c) a paz.
d) o bom-humor.

sábado, março 15, 2014

SOBRE PERGUNTAS E RESPOSTAS


Toda a noite ele dormia, mas não se lembrava do que sonhou. Sabia que havia sonhado, mas não sabia bem o que era. Ficava apenas a vaga sensação de algo difuso, sem ser bom ou ruim, sem ser imagem ou som, nem nada que pudesse compreender ou apenas vivenciar. Era como se houvesse a certeza de que algo aconteceu, mas que não era possível investigar o que era.

Decidiu ir num vidente, então. Fez hipnose e regressão. Procurou psicólogos, psicanalistas e neurologistas. Tentou de tudo, mas nada lhe revelava o conteúdo de seus sonhos. O segredo permanecia. A ânsia em descobrir o que havia dentro de si mesmo lhe consumia a todo instante. Sua mente, enquanto acordado, sempre se voltava para esta questão. Quem sabe não haveria ali as chaves para entender-se melhor e ser mais dono de si e ficar mais em paz consigo mesmo?

Nunca desistiu de descobrir o que sonhava. Até que num dia, ou melhor, numa noite, ele teve um sonho sobre o qual se lembrou pela manhã. Era um sonho estranho.

Em seu sonho, ele estava andando pelas ruas, de guarda-chuva aberto, esperando uma chuva que parecia que ia cair a qualquer momento, mas que em outros instantes, parecia que nunca cairia. E todos lhe diziam que ele deveria ir ao jardim o mais rápido possível. Perdido, e meio hesitante se deveria seguir os conselhos de desconhecidos ou não, saiu correndo sempre em frente, até que avistou uma praça enorme, com um grandioso jardim cheio de flores coloridas de várias espécies diferentes. Encantado com a visão, concluiu que aquele belo lugar não oferecia perigo algum e resolveu ir até lá. Quando ele finalmente chegou ao jardim, seus pés se transformaram em raízes e ele ganhou asas, virando uma criatura misto de ave com arbusto. Teve medo m uma queda inesperada. Teve medo de ficar no chão e suas raízes se fixarem e ele nunca mais conseguir sair dali. Acordou aterrorizado!

Finalmente encontrou a resposta para sua pergunta. Estava certo de que entender seus sonhos era a chave para entender a si mesmo. Contudo, essa resposta apenas lhe trouxe novas perguntas: o que tudo aquilo significava? Será que significava mesmo alguma coisa? Será que todos os seus sonhos eram assim?

E foi assim que ele descobriu que depois da pergunta não se chega a uma certeza. Apenas a novas dúvidas.

TERMINAR, COMEÇAR

Da fonte que seca,
se vê o prenúncio.
Gota a gota, os segundos passam.
E tudo permanece contrário
ao desejo de eternizar.

A Vida submerge-se na luta
pra manter tudo igual
mas a ampulheta arrasta
as pedras e as penas.

Ela descobriu, desta forma
que a mudança era, portanto,
o caminho para permanecer
igual ao que sempre foi
e que o preço a se pagar
era cada dia se reconstruir.

A Vida se corta
pra evitar a dor
de nunca brotar.

domingo, janeiro 05, 2014

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