sexta-feira, março 26, 2010

E QUEM É ESSE?


O poeta é feito de sabão.
Se dissolve na chuva, vira espuma e se vai.
O poeta é feito de alecrim dourado
que nasceu no campo sem ser semeado ali.
O poeta é perfume suave
que impregna nas roupas e na sala
porque seu frasco se partiu em pedaços.
O poeta é vômito de náusea
que na alma resolveu se manifestar.
O poeta é a mentira de palavras bem escolhidas
para se fazer prazer de som.
O poeta é o streape-tease do mendigo
e o palco do farrapo humano.
O poeta é esse escravo do objeto
que lhe faz ter luzes de senhor.
O poeta é feito de água
e vive escapando por entre os dedos
de quem tenta pegá-lo.
O poeta é anônimo, surdo e louco.
O poeta é você, é ele, mas nunca eu.
O poeta não é ninguém e é todo mundo.
O poeta já perdeu sua vez.

quinta-feira, março 25, 2010

DEIXE-ME SER!


Deixe-me ser imbecil.
Não me proteja do ridículo.
Deixe-me ser eu.
Não me proteja do seu medo.
Deixe-me sofrer.
Não me proteja de mim mesmo.
Deixe-me descobrir.
Não me proteja de quem pode me ferir.
Deixe-me ser amigo.
Não me proteja das frustações.
Deixe-me ser só.
E deixe-me só ser.

FABULAFAGOS


- Olá, Sr. Coelho! Que lindo dia, não?
- Olá, Sra. Abelhinha! Está mesmo um lindo dia!
- Quer um pouco de maçãs? Acabei de colher...
- Não, muito obrigado! Estou à procura de uma nova casa. Vou me mudar.
- Mas por quê?
- Ah! Sabe o que é? Chega uma hora em que tudo muda de lugar... É preciso aceitar a mudança como algo sempre presente. E este é meu jeito de aprender: vivendo.
- E pretendes ir logo?
- Eu poderia fazer planos, mas o Tempo tem outros melhores... Espero a vontade dele.
- E não vai decidir por você mesmo?
- Posso sim fazer isso. Aliás, a gente sempre faz. Mas posso esperar o vento virar e soprar a favor.
- Mas e se ele nunca virar?
- Aí, neste caso, faltou de mim fé e trabalho pra fazer com que isto aconteça.
- É verdade... Preciso ir ao Dr. Tatu. Devo estar doente de tanto pessimismo...
- Se você está se sentindo assim, é melhor começar com o remédio: sorrir! Sem contra-indicações!
- Tens razão! Vou tomar um balde por dia. Obrigado e tenha um dia lindo!
- Obrigado! Pra você também!

QUANDO SE VÊ


Um homem cego à beira da estrada
veio pra me guiar.
- Bom dia.
- Não meu jovem. Já é boa noite!
Eu me atrasei? Tempo é apenas tempo.
Passou e já foi.
Só serve como retrovisor.
De olhar pra trás e compreender.
Viver, nunca mais!
Só hoje eu percebo o amor do condutor!
Agora posso ver que existem trilhos a guiar o trem.
E que os desvios são outros caminhos.
Apenas isto.
A suavidade nesta idade é tão incomum.
Mas se realiza e me faz pleno.
A vista se faz clara à medida em que entendo.
O objetivo mais apurado
me faz me reconhecer.
Pedir perdão é bom.
Não ter porque fazê-lo é melhor.
Caminhar tranquilo é bom.
Chegar tranquilo é melhor.
Ficar em paz consigo é bom.
Ser o próprio sopro de paz é melhor.
Amar alguém é bom.
Amar a si mesmo e aos outros é meta.
O motor do caminhar.

EU AINDA APRENDO...


Fui moleque.
Brinquei com a vida.
Brinquei com as pessoas.
E achando que era gente grande!!!
Achando que estava levando tudo à sério!!!
Cair no poço, não posso!
Quem me tira?
Meu mau?
Aquele que eu fiz sem querer...
A culpa de ser leviano,
me faz prestar mais atenção,
nos livros, no dito, nos dias,
nos castelos de areia...
Estou mais atento à minha
instabilidade sentimental.

sexta-feira, março 19, 2010

À BORDO AGORA


Capitão, Capitão!
O barco vai bem e isso é bom.
Ele não segue sozinho.
Obedece sempre a doce mão severa
que mostra calma a direção.
Ah, Capitão!
A terra à vista instiga
o apreço pelo mar,
o gosto de ser senhor do leme
e o aprumar da bússula.
Oh, Capitão! Capitão!
Os bons ventos que saem das velas
são motivos para o sorriso
deste velho lobo do mar.

A MELHOR COMPANHIA


Ah, doce solidão!
Às vezes tu me pesas,
mas sorvo tua paz
com satisfação a cada gota.
Minha amiga solidão,
você me fez conhecer uma multidão
que estava aqui em mim!
Meus amigos invisíveis
se (me) revelam,
num silêncio calmo.
Minha querida solidão!
estou agora só,
em boa companhia.

terça-feira, março 16, 2010

PORTA LUZ


Abra o pacote de confete e serpentina,
passe tinta colorida na cara,
ligue as luzes multicores,
toque aquela canção cadenciada,
solte o riso dessa garganta,
mexa os braços e as pernas,
pinte o desenho mais bonito,
deixa essa multidão passar.
O circo, o dia, o carnaval.
Comum e único. Cotidiano.

segunda-feira, março 15, 2010

DA CULPA


"Eu acordei com uma dor de cabeça terrível. Uma ressaca sem comparações.
Levantei da cama com algum esforço, fui trocar de roupa.
Ao abrir meu guardarroupas... Meu Deus! Havia um cadáver lá dentro!
Um homem com um corte profundo no pescoço de onde o seu sangue havia esvairido, pele fria, endurecido e pálido. Imóvel, de olhos arregalados, numa expressão de pavor.
'O que havia acontecido na noite anterior?' Nada lembrei. Amnésia alcoólica.
'Será que fui eu quem...' Eu não seria capaz.
Mas como explicar isso, então? Os fatos pareciam gritar: 'Culpada! Culpada!'
Me senti o monstro revelado no médico...
Confusa, queria não acreditar que havia um homem desconhecido morto e escondido no meu quarto.
Pensei do ligar pra polícia, mas o que dizer? E se eu fosse a assassina? Tinha eu uma dupla personalidade pra mim desconhecida?
Lembrei-me das várias vezes em que falaram comigo que eu não parecia a mesma pessoa quando bebia, das vezes em que me queixei com minhas amigas por sair com um homem e ele simplesmente desaparecer depois, sem ligar nem atender meus telefonemas.
Um pensamento horrível me veio: 'será que este homem do meu armário não era nem o primeiro nem o único?'.
Não, isso eu não podia suportar. A hipótese de ser um monstro me aterrorizava. Como eu tive tanta crueldade? Eu teria que fugir? Havia como pagar pelo crime e remediar a situação? Como fazer para eu controlar essa assassina oculta em mim?
Eu mesma não via saída para mim.
Por isso, decidi me matar.
Espero que, quando minha família e meus amigos lerem isso, eles entendam a minha escolha de matar o monstro dentro de mim. Adeus."
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E começamos com uma notícia trágica e irônica: uma mulher suicidou-se hoje em seu apartamento. Deixou um bilhete contando o motivo do seu suicídio: encontrou um homem morto em seu guardarroupas.
Outro bilhete foi encontrado no corpo do homem morto.
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"Eu preciso confessar a todos: sou o maníaco que matou 13 mulheres nos últimos dois meses. Mas hoje, ao dopar a dona dessa casa, encontrei sobre o criado mudo um frasco com o mesmo perfume que minha mãe usava. Nesse momento, me arrependi de ter feito tudo que fiz. Enxerguei o monstro que sou. Por isso, decidi me matar. Espero que Deus me perdoe."

GONNA PURE ALONE


I run through the sky, day and night,
to find a way that makes me heavy like a cloud.
I see birds and flowers point me the way for the heaven,
but I need to try it for myself.
I'm looking for a stair or a gate inside me.
But the eyes are blind for this.
Just the heart sees.
Who do wants come with me?
They don't want to know.
They give up.
Nevertheless, the sun continues to shine for me
as long as I go on practice a few, day by day.

VERBETE


Eu sou a ânsia de vômito lírica.
Eu sou o gélido e calculado.
Sou o anjo da guarda, porto futuro, amigo sincero.
Eu sou o algoz ingrato, o espinho no pé, a mácula no lastro.
Eu sou o vilão coitadinho, o mocinho azarão, o insípto coadjuvante.
Sou a pedra no seu caminho.
Eu sou Deus.
Sou um pobre diabo.
Eu sou definido por todo mundo e por ninguém.
Nem por mim.

sexta-feira, março 05, 2010

OS PÉS PELAS MÃOS


Bom, um tropeço é necessário.
Talvez dois ou três.
Talvez seja necessário
arrembentar o dedão do pé
até ter uma hemorragia...
Só assim se sente na própria pele,
em carne viva, as verdades do chão.
Mas o chão é apenas um caminho!!!
O caminho se conhece ou se sente...
Sendo assim, não é necessário um tropeço.
Caminhadas vão mais rápido
quando os pés apenas afagam o chão.
Preserva das dores a base, o sustento.
Sendo assim, as mãos resolveram escrever
pra cabeça não se afastar muito dos pés.
E elas dizem torto por linhas certas que
tudo é um começo nos pés que são o presente,
deixam as pegadas no passado
e apontam sempre para o futuro.
Passo a passo.

quarta-feira, março 03, 2010

BOM DIA!


O dia amanhecia e a rua caia.
Chutava latas e estrelas quando o som se fez.
Zaz!!!
Um cometa cometeu um absurdo: resolveu passar perto!
A vida era antes como um eterno colecionar fotos de borboletas.
Mas agora ela não era indiferente.
Tinha agora aquele sorriso chato de "bom dia".
Vê se pode? É muito pra uma garota de quase 15 anos...
Aquela hora da manhã deveria
ser apenas uma coroa de sonhos coloridos.
Ah se eu fosse 40 anos mais nova...
Correria atrás dela e lhe ensinaria a ser uma senhora de respeito!
O que ela quis dizer com aquele "bom dia"?
Tenho certeza que era só destilo de ironia...