domingo, outubro 14, 2012

ALMA CINZA

Não sabia dizer exatamente como tinha começado aquilo. Num dia, pela manhã, percebeu que não estava mais enxergando preto e branco. Tudo era apenas cores vivas. As teclas o piano de sua filha, por exemplo, eram todas coloridas. Seus ternos em tons de diversas cores. Não havia nada preto, nem branco. Tudo era colorido. Mesmo os tons pastéis tinham cores alegres e nada contidas. As nuvens tinham tons bem brilhantes, as roupas dos médicos nos hospitais pareciam figurino de circo. Os enterros pareciam carnavais e até a fumaça que saia dos carros era colorida.

Ele, já com seus 68 anos, resolveu ir para a praça jogar xadrez. Naquele tabuleiro colorido, passou boa parte do dia gastando seus pensamentos. Apesar de tantas cores, não estava mais feliz. O que vinha de fora não conseguia lhe tocar a alma. Todas as cores lhe pintavam aos olhos um cenário maravilhoso, mas não lhe alcançavam o coração.

Estava enlouquecendo com aquela situação. As cores do mundo apenas aumentavam o peso de sua melancolia, lembrando-o do quanto sua alma era cinza por dentro. Era como se sentir, ainda por cima, insensível àquele turbilhão de alegria que lhe transbordava perante os olhos. O descompasso lhe incomodava muito.

Já pensava em abandonar a partida de xadrez quando, ao tocar na torre do adversário que ele acabara de conquistar, vivenciou uma pequena epifania. De repente, como num estalo, se lembrou de tudo e entendeu o maior dos mistérios da vida.

Fazia sete anos que ele havia encontrado na rua um mendigo cego com o corpo coberto de feridas que lhe disse que era muito feliz. Ele não podia compreender como um homem naquela condição não se julgava desafortunado. O mendigo, então, lhe disse uma frase que, agora ele sabia, era ao mesmo tempo uma lição e uma maldição:

- "Um dia você irá descobrir que a felicidade é algo que acontece de dentro para fora e não de fora para dentro..."

terça-feira, outubro 02, 2012

EM NOME DO FILHO

Você é um monstro! Você deveria me amar, incondicionalmente. Afinal, eu sou seu filho e você é minha mãe. Isso já é motivo suficiente pra você me amar para sempre!

Mas você é uma mãe desnaturada. Não soube me compreender, não quis me apoiar. Preferiu ficar do lado de um estranho, dar razão à ele. Como você pôde fazer isso? Por que você não tomou minha defesa?

Talvez você tenha se assustado com todo aquele sangue nojento em minhas mãos. Mas eu fiz pra te defender! Ele me xingou, mãe! Ele te xingou! Aquela faca iria ser a lição pra ele aprender o respeito. E eu não posso permitir um desrespeito contra você porque eu te amo!

Agora você fica do lado dele e diz ao juiz que eu não precisava chegar a tal ponto... Você não me ama, mãe. Você é ingrata e não sabe me proteger, reconhecer o meu amor. Você defende um estranho e acusa seu filho. Eu te odeio!