terça-feira, maio 28, 2013

O AMOR DOS SINOS


Os sinos tocavam ao longe enquanto eu tocava o seu rosto para preparar-lhe para o beijo que haveria a seguir.

Eu, com os meus 57 anos, confesso que gostava de sentir sua pele macia de quem faria 19 daqui há uma semana, mas tinha um certo receio da malidicença alheia.

Tenho certeza que muita gente reprovaria o nosso amor. Iriam me chamar de canalha ou depravado. De você, duvidariam da sinceridade dos sentimentos.

Mas eu sabia que era tudo real. Eu sabia que era tudo amor. Eu sabia que havia pureza e nada mais. Porque os sinos sempre tocavam quando a gente se via, no meio da rua. Eu ouvia os sinos ao cruzar o meu olhar com o seu. E os sinos não haveriam de mentir e nem de enganar a quem quer que seja.

Você me fazia sentir tão jovem. E eu lhe dava tanta maturidade. Quando eu tinha suas coxas em minhas mãos, sabia que o prazer que eu tinha era o seu também. Afinal, os sinos, nesses momentos, soavam com uma fúria de quem detém a verdade.

E amor é isso! Fazer bem um ao outro. E ouvir os sinos, ainda que eles não toquem mais.

A QUEDA

Ela caiu, no meio da rua. O tombo chamou a atenção dos transeuntes apenas por alguns instantes. Cada um seguiu seu caminho e ninguém se ofereceu para ajudá-la. Ela pisou em falso e quebrou o pé.

Ficou alguns dias em casa, em repouso. Foi o suficiente para perceber que a casa estava tão descuidada! Havia uma parede descascando a pintura. Alguns móveis não eram limpos há tempos. A bagunça engolia a casa. Como morar sozinha e trabalhar e estudar o dia todo era complicado!

Depois, ela começou a pensar em seu trabalho e no estudo. Nenhum dos dois a fazia feliz. Ela trabalhava porque precisava de dinheiro e estudava porque precisava de uma promoção no emprego pra ter mais dinheiro. E assim, era quase uma escrava! Tanta dedicação a um patrão que nem sabia que ela existia, diluida em sua empresa multinacional.

Aliás, poucos eram o que sabia de sua existência. Quando se mudou do interior para trabalhar na capital, deixou para traz uma família e poucos amigos. A pequena família às vezes entrava em contato com ela, sempre cobrando uma visita que era sempre adiada, mas pelas conversas ela percebia que eles queriam uma filha, uma irmã, uma sobrinha que não existia mais. Não tinha mais 18 anos. Estava com quase 40! Dos poucos amigos daquela época não tinha mais nenhuma notícia. Seria provável que, se cruzasse com algum deles numa esquina, não conseguiria reconhecer. Os novos amigos... Bem, estes não eram necessariamente "amigos". Mas eram companhias em algum momento e não havia opção melhor.

Tentou afastar os pensamentos pessimistas, mas sempre que pensava em si mesma, não havia algo que conseguisse encarar como positivo. Inclusive, percebeu que há muito não pensava em si mesma e se deixava afogar numa rotina massacrante, mas que a deixava exausta o suficiente para não ter tempo de se doer por si mesma.

Foram longos esses dias de repouso, até que seu atestado venceu o prazo. Ela, porém, não tinha forças para sair de casa, nem mesmo para se levantar da cama. Continuou por dias ali. A comida da dispensa acabou, mas ela não saiu para comprar mais. Já não sentia fome. Já não sentia nada. Queria apenas deixar de sentir ainda mais. Deixar de sentir o amargor que ficava sempre em sua boca, em sua mente. Depois da queda, não podia mais se levantar e não havia mão alguma a lhe servir de apoio.

Ela, assim, se entregou ao chão.