segunda-feira, junho 25, 2012

ADEUS DEUS

Está na hora de matar deus.
Deixar de acreditar em fadas.
Ver a triste realidade:
estamos sós e é tudo nossa culpa.

Minha recompensa quero agora.
Ser feliz amanhã não me seduz.

Renego a prisão da algema voluntária.
E assumo o controle das trilhas que ando.
Se não há esperança, ao menos, agora,
eu sei o que me cabe fazer.

domingo, junho 10, 2012

AS DUAS, AS TRÊS

Clara e eu éramos como unha e carne desde a infância. Vivíamos juntas, éramos conselheiras uma da outra, cuidávamos uma da outra, brigávamos e fazíamos tudo como se fôssemos duas irmãs que muito se gostavam. E só não éramos uma dupla inseparável porque éramos três.

Mariana estava sempre junto de nós. Mas, ao contrário de Clara e eu, Mariana era muito tímida e, perto do nosso vigor juvenil, ela era uma figura apagada. Mariana tinha um jeito frágil e era uma moça de poucas palavras. Mas, nas poucas vezes em que ela externava suas opiniões, dizia sempre algo sensato e admirável. Ela era o contrapeso de toda a impulsividade do mundo que governava eu e Clara. Apesar de eu admirar Mariana e sua sensatez, eu às vezes dizia que não era assim. E até dizia que ela era certinha demais, principalmente quando Clara estava dando muita atenção para ela e se esquecendo de mim. Há quem julgará nessa ação a expressão de um ciúmes bobo, numa competição pela atenção de uma amiga. Mas eu também já percebi Clara fazendo o mesmo quando era eu quem estava dedicando mais atenção à Mariana e isso prova que nós duas sabíamos que a amizade uma da outra era a mais importante.

Clara, ao contrário de Mariana, sempre foi muito extrovertida, bem humorada, meio espivetada, muito bonita e também bem inteligente. Nós duas combinávamos muito porque éramos parecidas. E era por isso que eu contava todos os meus segredos para Clara. Para Mariana, quase todos. E eu sabia que Clara fazia o mesmo. Quando Clara passou no vestibular para Pedagogia, fui eu quem recebi e dei o primeiro abraço. Mas Mariana estava lá do lado.

Noutra ocasião, foi a vez de Mariana receber também uma boa notícia: conseguiu passar no vestibular para Medicina numa universidade federal em outro estado. O trio se separaria pela primeira vez.

Na despedida, um misto de alegria pelo sucesso dela e tristeza por ter ela partir. Por dentro, confesso, agradeci a Deus que era Mariana quem estava indo embora e não Clara: dos males, o menor. Clara, depois, me confessou que pensou o mesmo.

Contudo, depois de algumas semanas, minha amizade com Clara começou a ficar diferente: tínhamos todo o tempo do mundo pra sermos mais que nunca unha e carne, não havia mais ninguém com quem dividir nossa atenção, mas faltava alguma coisa... Hoje eu sei que a gente sentia falta dos ciúmes que Mariana despertava em nós duas. Gostávamos daquele desafio velado de ter que conquistar o que estava sendo disputado: a atenção da amiga. Esse ciúmes dava graça à nossa amizade. Era Mariana que fazia Clara e eu sermos tão boas amigas.

Mais ou menos nove meses depois que Mariana estava longe da gente, ela veio para nossa cidade visitar os pais num feriado prolongado e marcamos de nos encontrar: o trio estaria junto outra vez. Neste meio tempo, cada uma havia seguido um caminho diferente e praticamente não nos falávamos. Porém, naquela tarde do encontro do trio, parecia que tudo havia voltado ao que era antes: Clara era de novo a minha melhor amiga de tempos atrás. Mariana também era a mesma e continuava sendo motivo de ciúmes das amigas.

No fim daquele dia, ao me despedir de Mariana, abracei-a e disse próximo ao seu ouvido: "Obrigada por trazer minha melhor amiga de volta". Ela sorriu e me disse: "De nada...". Naquele instante vi em seus olhos que ela sempre percebeu o que ela significava para mim e para Clara, mas que ela não se sentia menor por isso. Ao contrário: se doava em prol da felicidade das duas amigas.

Hoje eu penso que estive enganada esse tempo todo: talvez tenha sido Mariana, e não Clara, a minha melhor amiga.