quinta-feira, novembro 25, 2010

O PIANO FRANCÊS


Aquele piano estava naquela casa fazia quase 120 anos. Já tinha vivido muitas histórias e já havia produzido muita melodia. Era, ainda, um instrumento imponente e recebia cuidados atenciosos que justificavam sua longa vida.
Viera da França como um presente para um menino de apenas 5 anos. Na época, os pais descobriram que o filho tinha um dom precoce para a música e quiseram incentiva-lo adquirindo tal instrumento. Quem sabe não seria ele o próximo gênio da música clássica mundial?
O piano foi muito utilizado até o menino completar 18 anos. Nesta época, ele se alistou no exército e quase abandonou a música. Tocava apenas quando estava de folga, para impressionar a namorada. Cinco anos depois, numa das batalhas, veio a falecer deixando sua mulher grávida de uma menina e um menino.
Os filhos nasceram e aos quinze anos a menina começou a se interessar pelo piano. No início, sua mãe não queria que ela tocasse. O piano lhe fazia lembrar o marido. Mas, depois de tanta insistência, a menina começou a receber aulas em casa. Ela tocava com tanta graciosidade que sempre era o centro das atenções, quando a mãe lhe pedia para tocar para alguma visita.
O seu professor de piano era um senhor de 58 anos que se apaixonou pela jovem aprendiz. A jovem não queria nada com ele. Estava interessada no filho da empregada, a quem ela ensinava algumas das lições aprendidas no piano, quando tinha tempo livre.
O irmão dela percebeu o envolvimento entre os dois e denunciou à mãe. Ela despediu a empregada, que foi embora levando o filho.
A moça passou a tocar músicas melancólicas ao piano até que, cinco meses depois, fugiu com o filho da empregada.
A mãe, muito desgostosa, queria queimar o piano, que só lhe trazia lembranças ruins. Seu filho, porém, não deixou que isso acontecesse. Afinal, era a única coisa de concreto que ele tinha a respeito do pai. Aquele piano, de uma certa forma, fazia parte da identidade daquela família.
Os anos se passaram e o rapaz tornou-se um estudante de filosofia. Conhecia muita gente e por influência dos amigos acabou entrando para o Partido Comunista. No ano seguinte, instaurou-se uma ditadura sobre o país e o piano, que estava esquecido há algum tempo, passou a ser novamente usado. Era tocado em reuniões clandestinas, que aos vizinhos pareciam festas realizadas na casa do rapaz.
Numa dessas reuniões, tiveram a ideia de usar um código para comunicação secreta utilizando partituras para piano. Assim, eram compostas no piano músicas que não faziam sentido musical, mas que tinham um significado oculto.
Em dois anos, os grupos resistência conseguiram se articular por meio das mensagens codificadas e derrubar o ditador. Assim, o nosso jovem estudante de filosofia se tornaria ministro da educação do novo governo.
O velho piano continuava na mesma sala de sempre e agora animava festas de verdade que contavam com a presença de embaixadores e pessoas do alto escalão. Numa dessas, a maestrina da orquestra da cidade se interessou em comprar o piano, mas o ministro não quis vender. A insistência dela não fez o ministro mudar de ideia, mas possibilitou que os dois conversassem bastante, se conhecessem e se apaixonassem.
Os três filhos dos dois cresceram em torno do piano. Todos aprenderam a tocar, mas nenhum tinha gosto em ser músico.
Somente o primeiro neto é que resolveu seguir carreira musical. E se tornou o maior pianista contemporâneo. Tocou com várias orquestras, correu o mundo, tornou-se um ícone.
Porém, infelizmente, faleceu aos 23 anos num trágico incêndio que consumiu também a casa da família e o velho piano francês. Apenas as lembranças dos amigos sobre as histórias do famoso pianista e seu piano ficaram a salvo do triste e ardido fim.

6 comentários:

Vanessa Anício disse...

um reflexo de como as coisas que sao denominadas grandes na nossa vida giram em torna das coisas denominadas pequenas...Rapha! saudade de vc!
obrigada pelo excelnte texto mais uma vez. A cada palavra minha cara se enchia de surpresas e satisfação de estar lendo seu texto =)
Parabens!

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Ei Vanessa! Que saudades!!! Obrigado pelos elogios e reflexões e sinta-se sempre a vontade por aqui, ok? Bjos!

Natália disse...

Acho que, no fim, os pais do menino de 5 anos estavam certos... Ele seria um grande gênio da música... Só erraram em qual vida... hehehe
Impossível não associar datas e idades.... Viagem (de novo).
Bjo

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Nat, pode ser né? Vai-se lá saber... Bjo

Laly Cataguases disse...

Vc sempre surpreendendo, né, Rapha. Poemas, depois contos, crônicas, e agora uma saga linda, digna de um belo romance. Que bom que escolheu o piano, tão singelo qto vc, pra ilustrar essa história também tão singela, mas não menos tocante. Bjs

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Laly, era pra fazer eu ficar vermelho, é??? Hehehe... Obrigado pelos elogios não tão merecidos assim... Bjos!