quinta-feira, agosto 04, 2011

O TOQUE

Ele era daquelas pessoas amargas. E o amargo em sua vida era como um remédio para as dores do passado ainda presente.

Não nascera amargo, mas não lembrava mais como ser doce. Isso havia ficado para trás, junto da inocência de um rapaz que veio de uma cidade pequena num pequeno país oriental para tentar uma nova vida na maior cidade do planeta.

Ele havia passado numa seleção e enfim faria o curso que o habilitaria a ser o profissional que tanto sonhava ser. Mas na universidade infelizmente aprendeu mais que as disciplinas do curso. Aprendeu também com a cidade, com os desconhecidos, coisas difíceis de se aprender. Não pela dificuldade em si, mas por serem lições nem sempre muito agradáveis.

Assim seu amargor era como uma terapia homeopática: usava de um princípio semelhante ao que lhe fizera sofrer diluído numa dose muito menor ao longo do seu dia a dia, durante muito tempo.

Há pessoas que tomam doses de remédios maiores do que seria preciso, fazendo mais mal que bem. Há pessoas que abusam da automedicação e cometem suicídio inconsciente ao invés de se curarem porque usam o veneno pensando ser remédio.

O caso dele eu não ouso classificar. Quem mais no mundo poderia entender as dores por ele vividas?

Porém, a vida tem o hábito de trazer algumas surpresas e, numa dessas, ele se curou. Havia perdido a hora e, atrasado dentro do metrô lotado, deu sorte de encontrar um lugar pra sentar.

Estava absorto em pensamentos diversos quando sentiu que sua perna foi tocada por algo. Era o sapato de um menino que estava sentado no colo da mãe na cadeira ao lado. O contato do solado do sapato do garoto com a calça branca dele havia deixado uma marca escura.

Mas aquele fato o fez sentir-se estranhamente bem. Era como se aquele esbarrão significasse, na verdade, um afago em sua alma. Começou a se lembrar que havia tempos que não recebia um toque de alguém. Nem ao menos um toque acidental no metrô, que no horário habitual estava bem mais vazio.

Como era bom sentir que alguém enfim o alcançara. Era como se tivesse chegado o tempo que ele tanto aguardara. O tempo de se libertar da própria prisão. Aquela marca que sujara sua calça parecia externar suas máculas psicológicas. Um esbarrão tirou-lhe da inércia, como a bola branca faz mover as outras bolas do bilhar.

De repente, ele percebeu que estava sorrindo. E, como há muito tempo não o fazia, apenas curtiu o momento. E quando se levantou para descer na sua estação, virou-se para a mãe e a criança ao seu lado e proferiu palavras por ele esquecidas, mas que agora despertavam naturais:

- Com licença!

6 comentários:

Unknown disse...

Com licença, Rapha! Eu estava com uma saudade... ai, que tamanho! Adoro esses cutucões de vida que a gente recebe. Despertam sorrisos! Eu curto mesmo!

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Ei, P`ri!! saudades 1.000.000.000.000 de vc!!

Obrigado pela visita e é nos cutucões que a gente vai vivendo, né??

Beijos!!

Íria disse...

Saudades do Rapha de mil cabelos e falta deles.

Eu tô tomando minha dose homeopática de amargura. Conveniente esse conto.

Beijos

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Ô, meu amor!!! Fala isso não, Airí... Que eu choro e vou ficar morrendo de vontade de te abraçar...

Melhoras aí!! Beijos!!

Laly Cataguases disse...

Gosto de muitas coisas em seus textos, amor de meu vida, mas o que mais me impressiona e emociona é o quanto vc consegue tirar de pequenos momentos. A gente vai lendo o texto e nem imagina que num fragmento do dia daquele personagem estará o momento mais importante da vida dele. E das nossas também, porque é impossível ficarmos imunes diante de tanta sensibilidade. Bjão!!!

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Laly, menos, né?? hehehe

Bjão!!