sábado, agosto 20, 2011

OS GATOS


Ela estava realmente contente naqueles dias. Havia ganhado uma promoção no serviço na semana anterior e queria muito espalhar sua alegria para todos ao redor. Caminhava pela rua sobre seu salto alto que arrematava sua roupa de executiva de forma tranquila e graciosa. Seus óculos enxergavam mais cores num mundo a ser conquistado. Tanta alegria lhe fez ficar tão nas nuvens a ponto de esquecer a bolsa em casa. Voltou para buscá-la tranquila, afinal estava muito adiantada.

Ao chegar próximo da esquina, notou que havia ali um cego com um gato no colo que parecia aguardar auxílio para a travessia. De pronto, ofereceu-se a conduzi-lo.

- Muito obrigado, moça. Eu preciso ir ao veterinário que fica a dois quarteirões daqui. Eu telefonei para ele e ele disse que sua clínica havia mudado de endereço. Sabe, eu não confio em outro veterinário para levar meu gato.

- Bom eu sempre achei gatos animais fascinantes, mas sou alérgica a seu pelo. Por isso apenas os observo de longe... Os dois conversaram um pouco pelo trajeto até que encontraram o endereço desejado.

Conduziu o cego até o interior da tal clínica, quando o veterinário veio ao encontro dos dois recém chegados.

Era um homem muito bonito, bem alto e que parecia ser um hipnotizador de gatos, pois quando levantou da cadeira onde estava sentado uns quatro ou cinco bichanos o seguiram miando e passando por entre suas pernas:

- Ola, Sr. José. Vejo que não foi difícil encontrar a minha clínica! E esta bela acompanhante é sua filha de quem o senhor tanto fala?

- Não, não. Ela é apenas uma moça gentil que se ofereceu a me guiar até aqui...

Ela sorriu e foi dizendo:

- Bom, você já está entregue, Sr. José. Eu vou andand... Atchim! Atchim!

De repente ela começou a ter uma crise de espirros. Em poucos instantes, porém, começou a sentir uma grande dificuldade de respirar.

O cego percebendo os gemidos surdos que ela emitia, perguntou:

- Está tudo bem? Ela me disse que era alérgica a gatos e, pelos miados, aqui tem vários... O que está acontecendo?

Enquanto o veterinário tentava socorrê-la, ela sentiu que perdia as forças. As vistas foram ficando escuras até que perdera os sentidos de vez. Acordou no hospital com o veterinário ao lado de sua maca.

- Acordou, sua doida! Como você, alérgica a gatos entra na minha clínica veterinária?

- Nossa, eu pensei que, no máximo seriam alguns espirros e quando eu fosse embora estaria tudo bem.

- Mas você teve fechamento de glote. Quase morreu, sabia? E eu nem sabia para quem ligar avisando sobre sua saúde. Você não tinha um documento...

- Pois é! Eu esqueci a bolsa em casa.

Enquanto conversava com ele, percebeu que havia dois gatos, um preto e um branco tentando entrar pela janela fechada da enfermaria. Aquilo lhe causou um leve arrepio e uma sensação ruim, talvez devido ao trauma da experiência passada.

Para afastar o incômodo, decidiu pensar em outra coisa. Ficou imaginando que quem olhasse essa cena sem saber o contexto, julgaria que ela e o veterinário eram namorados e que formavam um belo casal. Depois de um tempo de convivência em que os dois retribuíam gentilezas fazendo visitas e trocando presentes, a impressão de serem um belo casal já não era mais somente uma impressão.

Ele gostava muito dela, era fácil perceber. Ela, porém, tinha algo mais forte por ele. Era um grande fascínio, como se ela também fosse vítima do grande magnetismo que ele tinha sobre os gatos. Ela era irresistivelmente atraída pelo cheiro da pele dele. Ela até pediu que ele não usasse mais perfumes, para não mascarar aquele odor que tanto lhe envolvia.

Mas os gatos eram seus grandes concorrentes nessa predileção. E era preciso literalmente fugir dos gatos, fechar as janelas da casa para eles não entrarem. Afinal, com uma alergia tão séria, ou os gatos saíam de cena ou ela é quem tinha que se retirar.

O romance entre os dois foi ficando cada vez mais intenso e mágico. Fazia duas semanas que estavam juntos e estavam no apartamento dele, que havia feito um jantar bem romântico. Depois do jantar, algumas taças de vinho, muita conversa, risadas, beijos, carícias cada vez mais intensas...

Pela primeira vez amaram-se, ali mesmo no tapete da sala, com gosto, ânsia, desejo e paixão. Seus corpos se encaixavam, seus cheiros se misturavam, suas línguas se confundiam. Ela se soltou como nunca e beijava-o intensamente, segurava-o pela cintura, arranhava de leve suas costas e lambia sua pele dando vazão à febre que a consumia.

Quando estavam saciados, ficaram deitados no tapete por algum tempo. Foi quando ela tomou um susto que a fez gritar, pois viu na janela fechada gatos miando querendo entrar. Eram realmente muitos gatos. Nunca antes havia visto tantos juntos.

Sentiu algo muito ruim, como se os gatos estivesse ordenando que alguém abrisse a janela. Eles tinham algo de sinistro. Num impulso, ela levantou e fechou as cortinas. Decidiu, entretanto, que aquele susto não estragaria aquele momento mágico. Ele a convidou para ficarem deitados na cama, abracados, conversando um pouco. E assim adormeceram.

Ela acordou muito cedo, ainda de madrugada, assustada com um pesadelo que ela teve. O sonho começou repetindo a cena de amor entre os dois no tapete da sala. Porém, num determinado momento, ele começou a lambê-la de uma forma frenética e estranha. Arranhava a pele dela com força, machucando-a. Ele começou a miar e seus olhos se tornaram como de um gato. No susto despertou. Percebeu que seu amado não estava deitado ao seu lado. Foi procurá-lo pela casa pois deveria estar na cozinha ou no banheiro, talvez.

Ao chegar na sala, deparou-se com uma cena terrível: encontrara ele caído no chão de olhos abertos numa expressão de pavor, imóvel, ensanguentado, com marcas de arranhões pelo corpo. Em volta dele, muitos gatos lambendo-o. A janela estava quebrada.

O horror da cena a fez sair correndo. Desceu as escadas e saiu pelas ruas ainda vazias, tomada pelo desespero. Sentia que precisava fugir dali. Enquanto corria, começou a perceber que gatos surgiam de todos os lados e pareciam segui-la. Sentia seus olhos espreitando cada movimento seu.

De repente, um gato saído de um arbustro saltou na direção de seu rosto. Com o susto, ela caiu. Tentou se livrar do gato que a lambia e a arranhava freneticamente. Quanto conseguiu atirá-lo ao longe percebeu que ao seu redor haviam muitos gatos olhando-a fixamente de uma forma quase satânica. Ela ainda caída tentou erguer-se rapidamente, mas quando os gatos pularam em cima dela e começaram a lambê-la e a arranha-la, sentiu uma dificuldade imensa de respirar e uma fraqueza que a fez cair deitada no chão daquela rua vazia novamente. Sua vista foi escurecendo devagar até que já não tinha mais consciência de si.

Quando o sol nascia no horizonte, o barulho habitual dos pássaros e dos carros se misturava a miados de gatos que pareciam vir de todas as direções. Amanhecia um dia
estranhamente assombroso naquela cidade.

2 comentários:

Laly Cataguases disse...

Nossa, Rapha, sinistro! Não conhecia essa sua verve a la contos da cripta. Bjs

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Pois é, Laly! Sempre quis escrever uma história de terror. Só que acabou ficando muito grande, né???

Beijos!!