domingo, abril 08, 2012

NA RUA

Um cachorro latia lá fora. Já era tarde e ele procurava encontrar algo pela rua que nem ele sabia ao certo o que.

Estava bêbado, como de costume. E ele bebia para que a tontura lhe acalmasse, como se fosse uma mãe embalando o berço de um bebê que não sabia como chorar. Às vezes, ele olhava para a lua, como se ela pudesse ouvir o que se passava em seu coração e contar pra ele, de forma que ele pudesse entender melhor o que sentia.

Resolveu que era melhor dormir. Procurou um pedaço de papelão que pudesse lhe aquecer e amaciar a dureza do chão e da noite ao relento. Escondeu-se sob uma marquise numa rua não muito movimentada. Tinha medo de lhe baterem de novo apenas por dormir na rua. Encontrou um saco de lixo para lhe servir de travesseiro e, com outro papelão, se cobriu. Dormiu rápido, mas não sonhou. Há muito não sonhava.

Pela manhã, acordou cedo, com medo do dono da marquise lhe fazer algo de ruim. Andando pelas ruas, chegou o barzinho que ele sempre frequentava a porta pela manhã. O dono não se importava com ele sentado lá, na calçada em frente ao bar, pedindo esmola. Muitos clientes também não se importavam com ele lá também. Talvez o mundo inteiro não se importasse.

Com sua mão estendida a espera de qualquer moeda, tinha um olhar perdido no infinito. Às vezes, para passar o tempo, brincava de imaginar o que poderia querer dizer aquelas letras que ele via espalhadas pela cidades em placas, cartazes e páginas de jornais. Mas, finalmente, era chamado à realidade, quando sentia o peso de uma moeda sobre a palma de sua mão. Agradecia com a cabeça num gesto mudo. Fazia muito tempo que era um homem de poucas palavras. Falar lhe doía como se lhe cravassem um punhal na garganta.

Quando começou a sentir o cheiro da comida alheia sendo preparada, decidiu que era hora de contar o que havia recebido e comprar alguma coisa pra comer. Como em quase todos os dias, percebeu que não havia o suficiente para pagar o almoço. Foi então à procura de um saco de lixo qualquer. Rasgou-lhe, revirou-lhe o conteúdo e percebeu que ali nada havia para ele. No terceiro saco de lixo rasgado, encontrou um pouco de arroz. Maquinalmente, encheu sua mão e levou à boca. Engolia com gana aquela que seria sua única refeição do dia. Depois voltou ao bar e entregou todo o dinheiro que recebeu em troca de um copo de cachaça. Sorveu o líquido para tirar o gosto azedo da boca e o amargo dos dias.

Quando o sol estava quente pela tarde, foi à fonte da praça e resolveu se banhar, para abrandar a coceira de dias sem asseio. Completamente nu, esfregava sua mão contra a pele, deixando a água da fonte com uma cor escura. De repente, percebeu que um guarda gritava com ele para que dali saísse. Vestiu seu short e a camiseta ainda com o corpo molhado e saiu dali para evitar confusão.

Andou sem rumo pela tarde. Ficou num banco de um parque até ser novamente expulso por outro guarda. Caminhou novamente a esmo. Encontrou algumas outras pessoas que também moravam na rua debaixo de uma ponte e conseguiu um pouco mais de cachaça. Bebeu para tentar apagar a sua memória.

Mais uma vez anoiteceu, mas debaixo daquela ponte não havia espaço para ele. Eram muitos ali. Resolveu perambular pela cidade, mais uma vez, procurando sabe-se lá o que. Essa noite estava muito mais fria. Pegou um caixote velho que encontrou na rua pensando em fazer uma fogueira para se aquecer. Quando bateu a mão no bolso do short em busca da caixa de fósforo que havia comprado para essas ocasiões com o dinheiro de esmolas, encontrou a caixa vazia.

Ainda bêbado, decidiu que apenas deitaria em cima de um papelão e se cobriria com outro, como na noite passada. Amanheceu sem vida, vítima da noite mais fria do ano.

2 comentários:

Laly Cataguases disse...

Belo texto, Rapha, apesar de triste. Mas é a realidade, né? Bjs

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Certíssimo, Laly! Triste, mas real... Beijos!