domingo, novembro 11, 2007

PELA REDE

Eu fechava um pouco meus olhos, para os raios de sol não me atingirem tão de cheio assim. Olhando pela janela do ônibus, eu vi a paisagem mudar lentamente e deixar de ser essas serras que tão bem caracterizam este estado onde nasci e chamam de Minas Gerais, sem saber saborear esta palavra ou mesmo lhe dar o real valor. As serras se transformavam em rochas afloradas sobre planícíes não tão verdes assim. Há muito tempo não chovia...
Apesar disso, pela janela eu enxergava coisas tão bonitas quanto a muito tempo meus olhos não podiam ver. Até mesmo um menino, com um carrinho de madeira na mão, olhando enigmático o ônibus onde eu estava. Do lado, um cachorro preto e branco, mais preto que branco, magrelo. Quase só osso. Dava pra ver também, as mercearias que vendem de tudo e sempre tem um freguês bebendo pinga o dia inteiro nama mesa do lado de fora. Ou a igreja, pequena e singela, com um sino modesto, tocando enquanto o Sol já se prepara para se esconder.
Tudo isso sobre um asfalto esburacado, mostrando que o tempo, diferentemente dos homens, não esqueceu de cuidar da estrada que seguia, virava e sumia quando os olhos perdiam-na de vista.
Distraida, eu olhava até a sujeira da poeira que ficou presa do lado de fora da janela do ônibus. Prestava atenção na falha de impressão no horário da passagem, causada por falta de tinta na impressora da companhia de viagem. Isso quase me custo a perda da viagem, se eu não fosse tão prevenida e chegasse uma hora mais cedo do que pensava que deveria...
Desta forma, eu seguia me distraindo, para não ficar ansiosa demais. Isso, com certeza, era tudo que eu não podia aparentar. E, para afastar isso de vez, fiz questão de nem olhar a última carta que recebi dele.
Achei legal da parte dele, responder a minha carta e perfumá-la, assim como fiz com a minha. Primeiro pensei que era uma coisa meio feminina e não combinava com o jeito dele. Mas eu nunca fui a mulher mais delicada do mundo, não é? Acho que essas coisas já estão meio ultrapassadas nos dias de hoje... Ele era até mais romântico do que eu. Foi ele quem disse primeiro que achava carta melhor que e-mail. Se isso não era romântico, era antiquado, o que também é quase sinônimo atualmente...
Os segundos pareciam uma eternidade. Eu já havia esperado tanto tempo para este encontro e, agora que o momento estava tão perto, era muito mais difícil ter de esperar.
Sei lá. Deveria estar ansiosa mesmo. Ou seria a curiosidade natural?
A princípio, o que fiz foi rir de mim mesma. Eu nunca imaginaria que um dia eu fosse encontrar alguém que eu conheci pela internet...
Mas foi o que aconteceu. Quando o ônibus chegou no meu destino, estava ele lá me esperando, com cara de ansioso. E eu desembarquei como se estivesse super tranquila... Pura pose!
Depois do encontro, as impressões iniciais que aconteceram muito depois do verdadeiro início. A gente passou um dia inteiro juntos. Ele era realmente tudo o que aparentava ser pela internet: inteligente, engraçado, sensível... Foi um dia realmente bom.
Mas... Mas... Sei lá! Pela internet o sentimento era outro... Ele parecia bem melhor... Apesar de perceber que ele era mesmo o que descreveu pra mim, eu ainda preferia aquele ser sem rosto da internet...
Acho que porque assim ele era o oàsis dos meus desejos e não alguém que eu teria que conviver na vida real. Ele não tinha defeitos marcantes, difíceis de serem suportados. pelo contrário. Confesso que até achava graça no jeito desajeitado dele, na sua cara de irritado por algo não sair como o planejado. Até no jeito de reclamar pela demora no atendimento no restaurante, na hora do almoço. Apesar disso, eu teria que dizer a ele isso de preferi-lo pela internete em algum momento...
Eu nem sabia que esse moneto chegaria tão rápido. Quando estávamos na rodoviária esperando o ônibus para eu voltar, ele me perguntou assim, meio sem graça e agoniado, após uns instantes de silêncio:
- E então? O que você achou de mim pessoalmente?
- Legal... Quero dizer, muito legal. Não é legal de "só legal"... Legal mesmo! Te curti de verdade!
- Você está sendo sincera?
- Por que pergunta?
- É sério... Pode ser sincera... Eu não quero te magoar, mas senti que tínhamos um lance melhor pela internet, entende? Acho que é essa coisa de idealizar...
- Verdade?!
- É... Mas não quero dizer que não foi legal. Acho que coloquei muita expectativa. Não que você tenha me decepcionado também, mas pensei que iria ser do mesmo jeito e foi diferente. Nem pior nem melhor: diferente...
Era exatamente o mesmo que eu pensava! Naquele momento eu sabia que éramos almas gêmeas! Falei pra ele que comigo tinha acontecido a mesma coisa. E rimos juntos...
Peguei o ônibus e voltei pra casa. A gente resolveu namorar sério... Pela internet!
Uns onze meses depois, a gente brigou, pelo messenger. E eu joguei na cara dele que ele tinha se decepcionado comigo pessoalmente, mas não teve coragem de dizer...
Isso foi há quatro meses. Hoje, eu resolvi deletar meu Orkut e voltar naquela cidade, pra ver se o encontro de novo e pedir desculpas... Quem sabe não vai na real?

7 comentários:

silvinha disse...

Nunca é tarde demais para iniciar um novo encontro com a mesma pessoa de uma forma diferente de um jeito diferente e com sentimentos renovados e reais...os sentimentos vituais são uma via de escape para demostrar nossos sentimentos reais mas nunca iriam substituir os nossos sentidos reais, os toques, bjos e abraços....o sabor de uma comida, a lembrança de uma paisagem em que se envolveu fisicamente e emocionalmente com o espaço. Por isso a menina da narração tomou a melhor atitude foi pra real, dar outra chance pra ela e vida....bjos

Renato Carvalho ® disse...

como jah comentei em um post pouco mais a baixo...nada como o olho no olho para as coisas funcionarem como deve ser...

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Silvia, este é um texto longo e antigo (mais de dois anos!!!!) que eu já devia ter publicado antes, mas só agora postei... Fiz quando soube que os Los Hermanos fizeram a música "A Flor" para um relacionamento pela internet... Obrigado por aparecer! Bjjjjjsssssss!
Renato, não é que eu concordo com vc? Abração, cara!

FRANZ disse...

indiscutivelmente de merito grande texto e muito bem escrito... cara eu fico ate sem palavras sobre isto, meio isto meio aquilo é tudo adorei, paderia postar mais do genero meu velho

Luanda Perséfony disse...

"Depois de ter vivido o óbvio utópico, te beijar, e de ter brincado sobre a sinceridade e dizer quase tudo quanto fosse natural, eu fui pra aí te ver, te dizer:

Deixa ser, como será!
Quando a gente se encontrar no pé, o céu de um parque a nos testemunhar...

Deixa ser como será!
Eu vou sem me preocupar e crer pra ver o quanto eu posso adivinhar...

Deixa ser como será!
Tudo posto em seu lugar. Então, tentar prever serviu pra eu me enganar...

Deixa ser, como será!
Eu já posto em meu lugar, num continente ao revés, em preto e branco, em hotéis...

Numa moldura clara e simples sou aquilo que se vê!!!"



quase sempre é musica,
tem hora, que não tem como não ser...

parabens Rapha, um belo texto!

Luanda Perséfony disse...

Ps a flor???

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Franz, muito obrigado! Este texto é antigo, mas gosto dele. Ele é meio longo e evito pôr coisas longas assim na net, porque pode ser meio chato... Mas um incentivo vindo de você, que tanto adimiro, é um incentivo e tanto! Obrigado mesmo! Abração!
Lu, quase sempre é música... Tem hora que eu não quero que seja, mas... Talvez isso mude! Ah, e bem notado: não é a música "A Flor" não... É "Retrato pra Iaiá" que fala de um relacionamento à distância que inspirou esse texto... Confundi os nomes das músicas... Obrigado!